No saudosismo dos poetas, a inspiração se alimenta de coisas
que o progresso tornou obsoletas, mas que conservam um toque romântico, mais
pelas lembranças que evocam do que pela funcionabilidade, razão pela qual são
supervalorizadas nos versos. Isso explica o fascínio pela estrada de chão, pelo
carro de bois, pelo lampião de gás... e pelo trem de ferro, objeto de nossa
atenção nesse tour pelos intrincados labirintos da inspiração poética.
Você é nosso convidado... Pegue seu bilhete, procure sua
poltrona e aprecie a viagem!
O trem de ferro fez parte da infância de muitos poetas
grisalhos. Por isso infância e trem andam de mãos dadas na fantástica trova de
Cipriano Ferreira Gomes:
Pelos trilhos da distância,
no trem das minhas tristezas,
somente o vagão da Infância
tem janelinhas acesas!
Se perder o trem é uma tragédia para uns, para outros não é
tão grave assim. Para Alberto Paco, nem tudo está perdido. Ele explica:
Deixa que o trem vá embora.
Não é preciso correr!
Sempre haverá outra hora
de outro trem aparecer.
Também Dáguima Verônica encontra semelhança positiva entre a
corrida do trem e a corrida da vida:
Não desista ante empecilhos
que o segredo é acreditar;
quem corre a favor dos trilhos,
cedo ou tarde há de chegar!
Dorothy Jansson Moretti, num momento saudosista, lamenta a
ausência do gigante de ferro:
Nunca mais o trem passou,
mas ainda lhe ouço o apito;
o silêncio eternizou
a saudade do seu grito.
Para alguns poetas o trem ganhou status de vilão, por levar
embora o ser amado. Hermoclydes Siqueira Franco, descreve de forma sublime a vívida
a imagem do trem se afastando:
Na distância, ao teu aceno,
quanta tristeza me invade...
O trem ficando pequeno
e em mim crescendo a saudade!
Almas gêmeas separadas, despedidas... e o trem, cumprindo
seu papel de cúmplice involuntário... Às vezes ao levar a parte que parte leva
tembém parte de quem fica.
Pelo menos foi como se sentiu Edmar Japiassú Maia:
Partiste e, num desatino,
teimando em partir, também,
meu coração, clandestino,
viajou no mesmo trem...
teimando em partir, também,
meu coração, clandestino,
viajou no mesmo trem...
O trem chega e parte. Chegada lembra alegria, partida lembra
tristeza. Tristeza marca mais do que alegria. Por isso o poeta fala mais de
partida do que de chegada. O apito é simplesmente o sinal de que o trem vai
partir, mas para o poeta é muito mais do que isto.
O apito machuca, conforme expressa essa trova do magnífico
trovador Joao Freire Filho:
É talvez o último abraço...
vais partir... apita o trem...
e o apito cortando o espaço
corta minha alma também!
Num momento de perda, a
solidariedade traz conforto, mesmo que seja apenas imaginária, como esta
percebida por Pedro Ornellas:
O trem partindo... um aceno...
e ao retornar pela estrada,
vi lágrimas de sereno
nos olhos da madrugada!
A dor da partida é
amenizada pela esperança do regresso. Quando esse não se concretiza, há quem
prefira iludir-se, justificando o desencontro, como faz Pedro Mello:
Na estação do meu anseio,
nos perdemos de nós dois...
- Não foi o trem que não veio:
fui eu que cheguei depois...!
nos perdemos de nós dois...
- Não foi o trem que não veio:
fui eu que cheguei depois...!
Mas há quem vá mais longe, e para esconder do mundo a dor do
abandono, finge o que não vê, como nessa magistral trova do grande poeta
Octávio Venturelli, fechando com chave de ouro nossa breve mas intensa viagem
pelo mundo poético, a bordo do trem da trova:
Na velha estação de trem,
que a solidão dominava,
eu acenei a ninguém...
fingindo que alguém chegava...
O trem não para. Outros passageiros podem embarcar e ensejar novas jornadas pelos trilhos da trova. Quem sabe novos encontros. Oxalá estejamos juntos. Espero por vocês!
(texto de Pedro Ornellas)
Pedro Ornellas, você me fez chorar de emoção...
ResponderExcluirMinha infância foi pautada nessa realidade
maravilhosa do Trem de ferro!
Obrigada por valorizar nossas raízes.
Belas trovas, grandes emoções.
Abraços nostálgicos.
Obrigado, amiga Dáguima. Esse trem mexe com a gente, não é mesmo? Abraços!
ResponderExcluirPedro ,adorei esta coletânea de trovas com o tema"Trem".Cada uma mais linda do que a outra.Na minha vida,também,o trem deixou muitas saudades.meu pai era ferroviário e viajávamos muito de trem.Vc foi muito feliz.Parabéns!Da próxima vez,embarco nessa estação chamada "Saudade" e vou de trem ao encontro da estação "Esperança".
ResponderExcluirO trem do tempo, cumpre sua missão
ResponderExcluirseguindo sempre, rumo a eternidade,
mas esquece de levar em algum vagão
uma passageira chamada saudade !
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Henrique Eduardo Allves Pereira
- Maracanaú - CE -